Considerado um dos
maiores nomes da Literatura Portuguesa, Eça de Queirós com suas obras trouxe um
marco para o Realismo Português. Nascido no dia 25 de novembro de 1845 em Póvoa
de Varzim, Portugal; Eça formou-se em direito e acabou por conhecer outros
escritores renomados como Antero de Quental e Teófilo Braga, aos quais se
juntaria mais tarde para formar o grupo de jovens revolucionários de Coimbra.
Eça de Queirós, além de advogado, fora jornalista e escritor. Dentre suas obras
de maior destaque encontram-se: O Crime do Padre
Amaro (1875), O Primo Basílio (1878), Os Maias (1888), A Cidade e as Serras
(1901), Contos (1902); as duas últimas obras teriam sido publicadas
postumamente.
Singularidades
de uma rapariga loura foi o primeiro conto realista do escritor
Eça de Queirós, originalmente publicado no Diário de Notícias de Portugal em
1874. O conto trata-se também de um dos que compõe a obra póstuma de Eça de
Queirós, intitulada por Contos, de 1902. Inicialmente é constituído um
primeiro cenário, onde o narrador desta história se encontra em uma estalagem
situada na cidade do Minho em Portugal. Neste lugar, o narrador-personagem que
não se identifica, conhece um homem chamado Macário, que começa por dizer que
seu caso era simples. Macário nostalgicamente relembra que no ano de 1823 ou
1833, não sabe ao certo; tinha tudo o que queria. Seu tio Francisco como dono
de um armazém de panos dera-lhe um emprego como caixeiro. Macário era um homem
tímido, limitava-se a seu ofício, a suas vestes brancas e alguns passeios no
campo, era tudo o que mais lhe interessava.
Aos
vinte e dois anos, Macário não tinha despertado seus sentidos para o amor, até
um dia em que foi morar em frente ao armazém dos Macários. Em uma manhã, o
jovem avistou uma mulher de cabelos pretos; estava vestida de luto; por volta
de seus quarenta anos mantinha uma pele branca, um busto bem feito e um aspecto
desejável, como expõe Macário que reflete sobre a beleza dessa mulher no auge
de seus vinte e tantos anos. Ao flagrar a si mesmo pensando sobre esta mulher
dos cabelos longos e pretos e o fato de não vê-la constantemente na varanda, o
jovem caixeiro percebe o quão sua vida é monótona, e se antes seu trabalho era
uma de suas atividades que mais o interessava, agora lhe parecia extremamente
enfadonho.
Certo
dia o jovem enfastioso avista novamente a mulher dos cabelos pretos e nota que
ao lado dela há uma outra mulher, uma jovem, esta de cabelos louros: “Era uma
rapariga de vinte anos, talvez – fina, fresca, loura como uma vinheta inglesa:
a brancura da pele tinha alguma coisa de transparência das velhas porcelanas, e
havia no seu perfil uma linha pura, como de uma medalha
antiga, e os velhos poetas pitorescos ter-lhe-iam chamado – pomba, arminho,
neve e ouro” (QUEIRÓS, p. 29). Macário apaixona-se pela jovem loura após observá-la
por cinco dias. Durante uma de suas observações, a jovem rapariga aparece na
janela unida a um leque chinês, isto preocupa Macário, afinal, poderia aquela
moça em suas condições de plebeia, possuir um leque como aquele? Ingenuamente o
apaixonado pensa sobre a possibilidade de ela ter ganho o refinado leque de um
possível pai, viajante inglês quem sabe.
Após
uma visita da jovem loira ao armazém dos Macários, o moço apaixonado sente-se
ainda mais envolvido em seus sentimentos ao atribuir o motivo da visita dela ao
armazém em que ele trabalhava a uma possível correspondência de sentimentos.
Ela, em companhia de sua mãe pedem para ver casimiras pretas – tecido utilizado
para fazer ternos – e quando irá falar de seus pensamentos à moça, Macário nota
a presença de seu tio e ao subir as escadas ouve umas últimas palavras da loura
que dizem: agora queria ver lenços da índia. Naquela noite tio Francisco
resmunga perante o jantar, queixa-se do sumiço de um pacote de lenços da índia.
O
caixeiro passa a frequentar os mesmos espaços que a menina Vilaça de nome Luísa
– a rapariga loura que passa a ganhar identidade. Certa noite Macário é
convidado para jogar na casa de dona Hilária, ele não lembra o que jogava
exatamente, mas recorda-se perfeitamente de estar sentado ao lado de Luísa.
Nesta mesma noite uma peça de ouro caíra no vestido da jovem que se sacudia
para encontrar, no entanto, a peça perdera-se sob os jogadores despertando em
Macário uma desconfiança em relação ao beneficiário que tão ingenuamente dizia
não tê-la visto.
Depois
de um beijo, simples e casto; fugitivo, superficial e efêmero. O jovem caixeiro
toma Luísa como noiva. Macário pede permissão a seu tio para casar-se, mas ele
nega incessantemente e afirma que se seu sobrinho quiser casar, que não more
mais sob o mesmo teto. O rapaz não vê outra solução, a não ser sair da casa do
tio e passa a procurar emprego para se sustentar, entretanto, é negado por
todos os comerciantes que ali conheciam o tio Francisco e temiam por seu
descontentamento caso empregassem seu sobrinho.
Macário
não vendo outra saída, vai para Cabo Verde na tentativa de conseguir fortuna
para se casar com Luísa, de fato ele consegue, mas acaba falindo por ter que
pagar a dívida de um amigo. Retornando à casa do tio Francisco, Macário tem de
volta seu emprego no armazém e ganha licença para casar. “De sorte que o
casamento foi decidido para dali a um mês. E Luísa começou a tratar do seu enxoval”
(QUEIRÓS, p. 42).
Em
um dia de inverno, os noivos saem para passear e Luísa decide que quer ver
anéis, os dois entram em uma loja de ourives onde se encontrava apenas um
caixeiro de cabelo arrepiado. Luísa experimenta cada um dos anéis e escolhe o
que mais lhe chamara a atenção. Macário acerta o pagamento com o caixeiro e
quando os noivos estão a sair da loja, o caixeiro os interrompe dizendo que o
anel não foi pago. Macário na tentativa de entender, diz ao homem da loja que o
anel será pago quando ele voltar para busca-lo. O vendedor afirma que está se
referindo ao outro anel, que ele nitidamente viu a jovem loura levando. Luísa
ficou trêmula e sem saber o que dizer. Macário agarrando-a pelo pulso de modo
“imperioso” fez com que a jovem sacasse o anel de dentro do bolso de seu
vestido, pedindo ao noivo que não a fizesse mal.
Macário
com esse episódio ficou impactado, não acreditava naquilo que sempre esteve
diante de seus olhos. Então, recompondo-se, puxou seu casaco e disse ao
caixeiro que houve um engano e que pagaria pela joia. Saíram da loja, deram
alguns passos pela rua e parando em uma esquina, Macário solta repentinamente o
braço de Luísa e diz para que ela vá embora, e esta que sequer tendo a
oportunidade de explicar-se pede para que ele não a bata, “e chegando-se para
ela, disse baixo: És uma ladra!” (QUEIRÓS, p. 46). Luísa fez o que lhe foi
ordenado e Macário não voltou a saber sobre a singular rapariga loura.
O
conto Singularidades de uma rapariga
loura transfigura a percepção de um leitor acostumado com os excessos de
subjetivismo, sentimentalismo e emocionalismo instaurados pelo
ultrarromantismo. Tece uma personalidade diferenciada referente as personagens
femininas, que escassamente foram vistas, em sua época, como dissimuladas
conforme o caso de Luísa, a jovem rapariga loura que de tão bela e retraída não
atraia olhares suspeitos em relação a sua conduta. O conto apesar de ter sido
publicado pela primeira vez em 1874, torna-se atemporal em vista do grau de
liquidez da relação entre Macário e Luísa, que tão rapidamente se firmou quanto
chegou ao fim, nos provocando uma percepção da efemeridade dos sentimentos e
relações que permeiam tanto aquela época quanto os dias atuais.
Em
minha concepção e em comparação a outros contos lidos, ouso declarar a minha
insatisfação pelo referido conto, por não admirar histórias muito óbvias e com
finais ligeiramente acabados, no entanto, entendo que na época em que foi
escrito, este conto representou uma nova visão referente a uma dada situação e
compreendo também que gostos são singulares. Dessa forma, indicaria esta obra
aos amantes de contos, aos estudiosos da literatura portuguesa, aos defensores
da literatura romântica e aos simpatizantes da literatura realista; indicaria
aos curiosos alunos que estão iniciando sua vida como leitores, e aos “meros
mortais”, o indicaria para que estes interpretassem que é preciso muito mais
para se conhecer a verdadeira índole de alguém do que alguns pouquíssimos
olhares sobre a janela.